São Paulo xx, de xx de 19xx
Mãe,
Seu pai tá maluco, preciso sair daqui, ele quer me bater, ameaçou a Vó e me expulsou de casa. Por que você não responde as ligações? Não sei se as cartas estão chegando. Na casa de Luciana é sem chance de ficar, quando receber essa carta não estarei mais lá, talvez esteja na rua.
Mãe, eu quis morar com você, sempre quis, quem não deixou foi a Vó, disse sobre seus problemas e foi escolha sua eu não morar com você.
Agora entendo o que formou uma pessoa tão amargurada quanto você, lembro dos castigos que ele aplicou em mim na infância e imagino ele mais agressivo com você, afinal, hoje ele é da Congregação Cristã do Brasil, enche a boca pra falar. Em casa é só ignorância.
Essa época o emprego com o judeu permitiu que eu ficasse mais um pouco, ele era do bairro e foi falar com meu avô. Ofereceu uma vaga de merda, ele aceitou por mim. O velho sossegou e até se orgulhou do neto trabalhador.
Na infância os castigos foram duros. Uma vez fiquei do lado de fora da casa, na chuva, por atraso na volta da escola, eu só tinha 6 anos. Uma vez, desenhei a família pra minha vó e não desenhei o velho, me rendeu um dia sem sair pra rua, falou que devia respeitar os mais velhos e não ficar desenhando besteiras na escola.
Foi na escola só uma vez, no dia dos pais. Foi o pior dia, disse que neto dele não dançava daquele jeito, devia estar jogando futebol. Saiu antes que eu pudesse entregar a dobradura com um chocolate que tinha feito, minha mãe guardava essas merdas que eu fazia, tinha as porras dos coelhos de páscoa e mais baboseira de criança, foda que não era só eu que não tinha pai, a molecada ficava colando barbante no dia dos pais pra entregar pra mãe ou algum outro vô.
Fui apanhando até em casa por não querer ficar na escolinha de futebol. Odeio muito futebol. Sempre tive dificuldade em me comportar em grupo, carrego alguma coisa visível, talvez meus demônios estejam pendurados no pescoço, sou alvo fácil de gozação e bullying, nunca participei de brincadeiras e lutinhas, virei saco de pancada no futebol, tomava boladas e caía nas armadilhas dos meninos, juntar meninos pequenos é uma péssima ideia, crianças são cruéis e, ainda mais, sendo endossadas por um outro homem ditando regras, foi o início e o fim da minha formação como homem. Preferia ser sozinho. Esse era o medo deles, não sei o motivo.
“Vai aprender a ser homem” disse no futebol, no judô, no karatê, até na capoeira me colocou. Sobre o professor negro, dizia, “só te coloco aqui pra brincar com os meninos e se socarem, aprender a ser gente, mas não quero amizade com professor negro”. O clube que me levava era da Polícia Militar, frequentado por militares e suas famílias.
Odeio qualquer coisa relacionada a esportes. Odeio policiais.
Às vezes deixo algum jogo no rádio, mas prefiro os programas sensacionalistas, esses também heranças de meu vô. Dizia sempre que o mundo era uma merda durante esses programas, isso o confortava, isso me conforta de algum jeito.
Imagino os castigos de minha mãe, antes de ele ser crente. Quando católico não era impedido de ser violento, Jesus ter sido crucificado não ajuda muito. Evangélicos eram mais coletivos. Quando o visitei no hospital, me disse que o médico era preto mas era bom médico. E se recusou a tomar um remédio de um enfermeiro que ele afirmava ser viado.
O judeu, mais tarde, brigou com meu avô, eu já era casado. Mandou meu vô à merda e o chamou de velho caloteiro. Minha vó precisou segurar ele dentro de casa com a enxada na mão. Ele quebrou a televisão esse dia.
O velho era forte, subia no telhado e era capaz de se defender sozinho. Morreu dormindo aos 90 anos, uma morte tranquila. Fez um inferno e foi comtemplado com a morte tão sonhada. Se existir mesmo essa coisa de céu e inferno, deve ter ido conversar com o capeta.
Não pretendo esperar tanto tempo.
Agradecimento especial para Cax Nofre e Aline Macedo que colaboraram com esse folhetim até aqui. Muito obrigado.
Esse folhetim é um oferecimento Borboleta Azul, reavivando um formato muito popular no Brasil e no mundo. Ele tem como objetivo semear a leitura e despertar leitores, grandes nomes da literatura já escreveram folhetins como; Machado de Assis, Lima Barreto, José de Alencar entre outros, o texto era publicado em jornais.
Quem gostou da novela, pedimos que divulguem, espalhem por aí e se tiverem interesse em apoiar o trabalho do artista, fazer uma transferência bancaria, (como uma forma de comprar o folhetim) com qualquer valor (todo valor será repassado integralmente ao artista). As pessoas que colaborarem terão seu nome nos agradecimentos de cada capítulo (opcional. Se quiser seu nome, mandar e-mail pro [email protected] com seu nome), até o final da novela como uma singela homenagem.
Nossas sugestões são de 10 reais se você leu alguns poucos capítulos, 20 se você leu uma boa parte e pretende ler tudo, e 40 se você gostou muito desse projeto e quer que ele tenha vida longa.
Dados do artista: Marcelo da Silva Antunes
Pix Itaú: 418.723.338-50
Marcelo da Silva Antunes
cpf: 418.723.338-50
Itaú
Ag: 8422
cc: 25233 1
Marcelo da Silva Antunes nasceu em São Paulo, no dia 13 de junho de 1992, dia de Santo Antônio e de Exu. É Autor de VIVAVACA -2017, SP: Sem Patuá (editora Patuá) - 2018, Outros Cortes (Selo Borboleta Azul) -2019, Manifesto da hora que o couro come (Selo Borboleta Azul) -2020, e do livreto Velho, Velho Testamento - 2019. Editor do selo literário Borboleta Azul e da Revista Agagê80 (Brasil/Portugal) agitador cultural e oficineiro de escrita criativa.
Este site usa cookies e dados pessoais de acordo com os nossos Termos de Uso e Política de Privacidade e, ao continuar navegando, você declara estar ciente dessas condições.