Estou de repouso mas descobri que não sei descansar. Mesmo sabendo das amarras invisíveis do capital, que nos fazem trabalhar 24 horas, chamando de amor, eu não consigo apagar.
Parece que patino no gelo ao tentar escapar de meu labirinto pessoal, trabalho, casa, família que Federici chamou de micro Estado e micro Igreja, pois, no nascer do capitalismo, não havia forma mais eficiente de domesticar e governar o útero do que nos colocando para servir assim… silenciosamente.
É o trabalho invisível das mulheres que está por trás da grande máquina que não pode parar. Seja se reproduzindo ou cuidando da família, fisicamente ou com a carga mental, a mulher continua sendo o cerne da acumulação primitiva. Sem esse trabalho, não é possível a geração de riqueza. Nenhum homem é realizado sem alguma mulher fazendo o trabalho doméstico por ele. Homens realizam seus projetos pessoais no seu tempo. Mulheres deixam pra depois e pagam o preço, inclusive sendo humilhadas no mercado de trabalho e na Academia.
O feminismo branco vendeu a ideia de “emancipação” sem contar que para aquelas que não exploram uma outra mulher, negra ou migrante na maioria das vezes, só há mais exaustão para prover financeiramente e ainda cumprir o papel de cuidar das tarefas domésticas, que nos roubam de nós.
Nós, mulheres, podemos ser o micro que implode o sistema. Podemos ser o sapato dos luditas que sabota a engrenagem. Nós ,que agora nos demos conta de como os parceiros nos exploram, como a casa nos esgota, como a vida nesse modo de existir nos dá corda para que não paremos de servir, não nos escutemos, não percebamos como o nosso fazer nas pequenezas é o combustível para tudo ser exatamente como é há séculos, somos nós que alimentamos as engrenagens. Nossa exaustão, nossas lágrimas, nossa vontade de potência.
Escravas de nós mesmas, não sabíamos o barulho que nosso tecer aparentemente mudo, taciturno provocava em nossas cabeças. Agora, na madrugada, insones, exauridas pelo trabalho que não constrói sentido, podemos respirar, nos unir e arrebentar essas correntes.
Professora de escola pública, mãe e poeta. Não necessariamente nessa ordem. Não necessariamente sem contradições.38 anos aprendendo a ocupar o próprio corpo .
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