O frio no Paraíso que eu e o meu homem sentimos a cada passo não será nunca aplacado? As pessoas na avenida nos olham torto porque estamos velhos, sujos e fedendo. É domínguo e não podemos entrar em nenhum desses prédios. O ar tem um cheiro que só quem é como eu pode perceber. O meu homem pega um cigarro mal apagado no chão e o traga sôfrego; ele hesita entre entrarmos no parque ou continuarmos na avenida. Primeiros pingos de uma chuva que não começa; ela poderia nos limpar um pouco. Mais uma quadra e eu mijo na esquina porque eu mijo onde eu bem entender. Uma criança quer me fazer um carinho, mas a sua mãe não deixa. O meu homem pede esmolas ao casal limpinho e é ignorado; nem o meu olhar faminto os comove. Coceira de merda. Passamos por um museu ao qual somos proscritos e um punhado de jovens finge não nos ver enquanto atravessamos a rua pelo caminho reto em preto e branco. Há um bar já na Consolação com uma mulher e seu cachorro encoleirado e de roupinha; ele late pra mim e eu lato de volta; os meus latidos tem frio e fome. O meu homem não precisa me prender a uma coleira porque algo mais definitivo nos une: um amor animal.
Cesar R. Pontual (Bruno César Martins Rodrigues) nasceu e reside em São Paulo-SP. Não tem o rei na barriga. Perambula às vezes pela Avenida Paulista. Publicou os livros Abra (Patuá, 2017) e Fecho (Borboleta Azul Produções, 2021) e o zine Meus (Borboleta Azul Produções, 2023), além de ter participado de algumas antologias e revistas eletrônicas.
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