São Paulo, xx de xx de 19xxx
Pai,
Tentei te ligar, mas achei melhor mandar uma carta, por telefone nunca te encontro e sempre acabo falando com estranhos.
Queria te desejar muitas felicidades,
Espero te ver mais feliz, saudável e que esteja jogando sua sinuca.
Eu vou bem, mãe também, tô quase casando com a Luciana, já falei dela pra você em outras cartas.
Abraços.
Nunca disse não pra minha vó. Escrevi essa carta a pedido dela. Lembro bem desse dia, cheguei da casa de Luciana, cansado, Vó tinha feito um bolo de cenoura, perguntou se eu sabia de quem era aniversário, óbvio que não sabia. Era do meu Pai. Ela sabia as datas de aniversário até dos vizinhos e filhos dos vizinhos. Não liguei e dei de ombros, perguntando sobre o bolo que cheirava bem. Ela insistiu com a história e pediu pra escrever, prometeu ajudar caso as palavras não saíssem. Saíram poucas. Por cartas era mais fácil falar com ele, mas mesmo assim tinha dificuldades, escrevia cartas mais sinceras e maiores pro Papai Noel e em entrevistas de emprego.
Essa carta voltou, o correio não achou o endereço. Vó demorou alguns anos pra me dizer que tinha voltado. Guardei essa carta comigo pra um dia entregar, nunca tive coragem.
Nunca fui a uma festa de aniversário dele e ele só apareceu uma vez na minha, aos 13, chegou bêbado na festa, deu parabéns pra criança errada, beijou um vizinho. Bebeu tanto naquele dia, caiu e bateu a cabeça antes de saber que beijou a criança errada. Acabou com a festa.
Ambulância chegou. Foi meu último aniversário com balões e guaraná.
Uma de suas mulheres entrou em contato com minha vó, convidou a gente pra festa de um de seus filhos. Era uma de suas amantes quando era casado com sua segunda esposa. Não fui. Nunca foi de meu interesse qualquer relação com famílias dele, alguma vez ou outra encontrei Marilda, sua segunda esposa, ouvia tudo que ela gostaria de dizer pra ele. Era muito pior do que eu imaginava. Foi marido de merda pra todas.
Minha mãe incentivava essa ida a casa dele de maneira cuidadosa, sem obrigação e com medo, sabia do homem que tinha se envolvido, ela sempre com dedo podre pra escolher namorado, devo ter herdado isso dela. Nem puta eu soube escolher. Um cara desses devia ser proibido de ter filhos, minha vó conta histórias sobre as ameaças de aborto que minha mãe sofreu na gravidez. Talvez não devesse mesmo estar por aqui ainda hoje.
Viver de mentira sempre bastou pra família, basta pra mim. Afinal a vida é uma grande mentira.
Luciana se empolgava com festas, tão estudada e tão burra, queria comemorar todo mês de namoro em algum lugar, sempre fui fodido de grana e de euforia, isso irritava, porra de comemorar, viver é sobretudo ser iludido, festejar é bater palma pra morte.
Meus aniversários sempre foram ruins, mesmo os mais acalorados com Silvia, ela também gostava de datas. Até hoje não digo minha data de nascimento pra ninguém. Nem sei minha idade. Sou péssimo com datas.
Pai deve ter fodido qualquer chance de relação agradável com festas. Mas não pode levar toda a culpa. Fui uma criança esquisita. Gostava mesmo de doces. Na mesma proporção que gostei de uísque e de cocaína. Festa de aniversário e velório é a mesma coisa, enchem de falsidade e criança, coisas que prefiro evitar.
Essa carta vou rasgar. Vou rasgar todas, talvez eu queime tudo.
Agradecimento especial para Cax Nofre e Aline Macedo que colaboraram com esse folhetim até aqui. Muito obrigado.
Esse folhetim é um oferecimento Borboleta Azul, reavivando um formato muito popular no Brasil e no mundo. Ele tem como objetivo semear a leitura e despertar leitores, grandes nomes da literatura já escreveram folhetins como; Machado de Assis, Lima Barreto, José de Alencar entre outros, o texto era publicado em jornais.
Quem gostou da novela, pedimos que divulguem, espalhem por aí e se tiverem interesse em apoiar o trabalho do artista, fazer uma transferência bancaria, (como uma forma de comprar o folhetim) com qualquer valor (todo valor será repassado integralmente ao artista). As pessoas que colaborarem terão seu nome nos agradecimentos de cada capítulo (opcional. Se quiser seu nome, mandar e-mail pro [email protected] com seu nome), até o final da novela como uma singela homenagem.
Nossas sugestões são de 10 reais se você leu alguns poucos capítulos, 20 se você leu uma boa parte e pretende ler tudo, e 40 se você gostou muito desse projeto e quer que ele tenha vida longa.
Dados do artista: Marcelo da Silva Antunes
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Marcelo da Silva Antunes
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Marcelo da Silva Antunes nasceu em São Paulo, no dia 13 de junho de 1992, dia de Santo Antônio e de Exu. É Autor de VIVAVACA -2017, SP: Sem Patuá (editora Patuá) - 2018, Outros Cortes (Selo Borboleta Azul) -2019, Manifesto da hora que o couro come (Selo Borboleta Azul) -2020, e do livreto Velho, Velho Testamento - 2019. Editor do selo literário Borboleta Azul e da Revista Agagê80 (Brasil/Portugal) agitador cultural e oficineiro de escrita criativa.
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