São Paulo xx de xx de 19xx
Mãe,
Tudo bem por aí? Estou trabalhando de taxista agora, lembra? Caso precise ir pra algum médico posso te levar. Não precisa chamar estranhos.
Meu casamento vai bem, não penso em ter filhos agora, acho que a gente precisa se estabilizar, Luciana entrou na faculdade. Estudar e trabalhar tomam todo o tempo dela, tá difícil conciliar com os compromissos. Eu aproveito quando ela não está em casa e vou rodar pela cidade, acho que se trabalhar direitinho consigo um bom dinheiro.
Foi por isso que não pude ir no aniversário do Wiliiam.
Estou feliz em ter um irmão, sei que tenho por parte de pai, mesmo nunca tendo visto esses, o pai também não deve ligar pra eles. Eles não são meus irmãos de verdade, William é diferente, ele vai frequentar a casa da Vó e ir nas festas da Luciana, vou conviver com ele no natal e poder conversar sobre coisas de homem.
Caso precise de ajuda, pode me ligar, ou mandar cartas.
Luciana me deu um livro, mas não gosto de ler, vou passar aí qualquer hora pra te dar.
Beijos.
Esse rascunho de bom filho nunca concretizei. Resquícios da fase feliz da vida. Que engano.
William cresceu rápido, conheci só com 4 anos. Não tive os papos de homem com ele, ora por culpa minha e nos últimos 10 anos, por culpa dele. É estranho, homem é bicho complicado, difícil conviver.
Meu irmão nem me reconhece na rua e não escreve cartas. Será que se casou? Se tiver o dedo podre na genética familiar tá fodido.
No velório da mãe permaneci em silêncio, fiquei do lado de fora da sala, escondido dos parentes, assim como eles se esconderam de nós por todos os anos passados. William, ainda muito menino, talvez com 16 anos, encarou as pessoas. Não tive sua coragem, aliás não sou nada corajoso. Os familiares mais próximos também não me reconhecem. Vó não pôde ir e Vô só passou, os comentários foram de que seria um alívio pra família, mulher doida, depressiva e angustiada, era só preocupação e trabalho pros outros. Que outros? As pessoas pensam que família morando junto garante alento. Costuma ser pior. Vivi com eles e minha vida foi um inferno. Solidão é melhor remédio que família. Simulação de que se importam com os outros. Egoísmo e inveja habitam todos os lares, lá era igual. Meu pai não foi ao enterro.
O líder da casa age como qualquer regime de poder, é preciso manter a autoestima dos moradores baixa e se perpetuar como o soberano. O judeu meu patrão era essa continuidade, o supervisor do shopping e os caras dos bicos, ser chefe deve ter relação com ser pai.
William se criou sozinho, Vó ajudou com algum dinheiro que eu sei, minha mãe pagava o aluguel com dinheiro da família do pai de William – se ele casou? Nunca soube com quem, nem onde, deve ter sido na igreja. Mãe voltou pra casa de seus pais, precisando de ajuda, no auge da doença, William nunca pisou lá. Com um avô racista foi uma sábia escolha. Tentei matar minha família por muito tempo, afogar essas lembranças, queimei fotografias, quis morrer, e acho que consegui. Luciana era minha família, depois eu me isolei, parei de escrever cartas por um tempo, nunca tive telefone. Essas amarras familiares são libertadoras, rasguei, voltei por ser fraco. Cheguei no campo e só vejo cadáveres. O meu próprio.
Fracassei como irmão, talvez seja melhor.
Vô nunca reconheceu William como neto. Racista, perdeu a chance de ter um neto de verdade. As palavras pra se referir ao neto eram pesadas, negrinho, escurinho, preto safado, menino sujo, isso quando ele era só uma criança. Condicionou abrigo pra filha só se o filho não frequentasse a casa. Ela não tinha condições de recusar. Comprou um celular pra ele, nunca soube se ele ligou pra ela.
Sinto que William foi um filho melhor que eu, mais livre, mais humano, sem herança daquela família.
Não acredito em azar, mas o acaso seria cruel demais pra esse caso.
Sem o Vô, William escapou de ter uma figura violenta, ignorante e imbecil em sua vida. Cresceria com mais medos e menos criatividade, odiaria mais do que amaria. E talvez escrevesse cartas.
Agradecimento especial para Cax Nofre e Aline Macedo que colaboraram com esse folhetim até aqui. Muito obrigado.
Esse folhetim é um oferecimento Borboleta Azul, reavivando um formato muito popular no Brasil e no mundo. Ele tem como objetivo semear a leitura e despertar leitores, grandes nomes da literatura já escreveram folhetins como; Machado de Assis, Lima Barreto, José de Alencar entre outros, o texto era publicado em jornais.
Quem gostou da novela, pedimos que divulguem, espalhem por aí e se tiverem interesse em apoiar o trabalho do artista, fazer uma transferência bancaria, (como uma forma de comprar o folhetim) com qualquer valor (todo valor será repassado integralmente ao artista). As pessoas que colaborarem terão seu nome nos agradecimentos de cada capítulo (opcional. Se quiser seu nome, mandar e-mail pro [email protected] com seu nome), até o final da novela como uma singela homenagem.
Nossas sugestões são de 10 reais se você leu alguns poucos capítulos, 20 se você leu uma boa parte e pretende ler tudo, e 40 se você gostou muito desse projeto e quer que ele tenha vida longa.
Dados do artista: Marcelo da Silva Antunes
Pix Itaú: 418.723.338-50
Marcelo da Silva Antunes
cpf: 418.723.338-50
Itaú
Ag: 8422
cc: 25233 1
Marcelo da Silva Antunes nasceu em São Paulo, no dia 13 de junho de 1992, dia de Santo Antônio e de Exu. É Autor de VIVAVACA -2017, SP: Sem Patuá (editora Patuá) - 2018, Outros Cortes (Selo Borboleta Azul) -2019, Manifesto da hora que o couro come (Selo Borboleta Azul) -2020, e do livreto Velho, Velho Testamento - 2019. Editor do selo literário Borboleta Azul e da Revista Agagê80 (Brasil/Portugal) agitador cultural e oficineiro de escrita criativa.
Este site usa cookies e dados pessoais de acordo com os nossos Termos de Uso e Política de Privacidade e, ao continuar navegando, você declara estar ciente dessas condições.