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Pessoas dentro do metrô de São Paulo, foto tirada em fevereiro de 2020.

Sobre a alegria de moscas e crianças

Reino Animalia, filo arthropoda, classe insecta, ordem díptera, subordem brachycera (leia braquicera), família muscidae, subfamília muscinae, tribo muscini, gênero musca, espécie m. domestica. Musca domestica. Não é preciso o uso de lupa para identificar as cores que compõem os espécimes. Cinza no tórax, abdómen amarelado ou verde, pelos pretos e olhos vermelhos. Bela descrição, se esta gama não estiver em cima do cuscuz ou dentro do pacote de lentilha, depositando seus 8000 ovos brancos.

Caso não sofra nenhum acidente, a Musca convive facilmente com humanos, adultos e crianças. Passagem curta pelas casas, nos seus 25 a 30 dias de estadia, batem nas orelhas, enroscam nos cabelos, sacodem sacos de lixo. Febre tifoide, cólera, salmonela, carbúnculo e vermes parasitas são de sua responsabilidade, não vírus. Musca, nossa mosca, é tão evoluída que superou as baratas e não se abate com qualquer spray de inseticida.

Rodeiam por todos os cantos e participam das brincadeiras de criança. Procuram sangue quente e lugares, geralmente sujos e cheios, se misturam às tábuas de madeira, pedaços de papelão molhado, às roupas rasgadas e mãos. Gritam, zombem, giram, planam, sonham, podem ser úteis, perturbam. Andam lado a lado com a fome, Musca e Fernando, o pequeno indivíduo em análise laboratorial. Uma criança, com expectativa de vida natural, caso não sofra nenhum acidente, entre 70 a 95 anos, alguns, se bem adaptados ao ambiente, podem atingir a idade de até 100 anos ou um pouco mais. Costumam sobreviver a grandes impactos sociais ou de destruição entre a própria espécie, superando outros mamíferos. Arriscam a vida.

Tentou. A criança ousou enfrentar o vírus invisível, pegou três caixinhas que mal cabiam nas mãos pequenas, passou por debaixo da catraca da estação Santa Cecília. Fugiam dele. Entendeu. Nada de balinha no colo. Sacavam o álcool gel e esfregavam com força, até o cotovelo. Nunca sentiu um álcool gel, só o cheiro. Queria pedir um pouquinho, em troca da bala. Mas nem olhares lhe tocaram. Correu muito na Sé, na esperança de mudar de linha e ter uma moeda, correu dos guardas que o viram de longe, deixou cair pacotinhos da caixa aberta, entrou no último apito.

Mudou a estratégia, era esperto, já tinha anos de experiência desde o colo de mãe. BALA, BALA, COMPRE E ADOCE SEU DIA, É COLORIDA, É DELÍCIA, É BALA DE GOMA LIMPINHA, PROTEGIDA. Despertou alguns risos e ganhou moedas em troca das balinhas. Voltou pra casa ainda com um pacote fechado, já era tarde, o almoço foi um pacote de bolacha água e sal que ganhou da senhorinha na estação da Luz. Hoje não tinha janta, só resto de pão duro com água de feijão. Deu as balinhas pros irmãos mais novos, disse que era sobremesa. Os troquinhos foram pro bolso da calça de mãe, sozinha sentada na porta sem batente.

Ganhou abraço e espantou moscas. Moscas com cheiro de cravo e limão, talvez Musca, rodando na ponta do nariz, meio tontas a cair. Olhou a tortura, o debater de asas, últimos segundos de vida, restos de corpo. Pegou e apertou até o crac, crac, melequento entre os dedos. Limpou na calça de moletom, comeu a bala verde que sobrou do pacote, todos preferem as vermelhas.

Ouviu no rádio da vizinha. NÃO SAIAM DE CASA.

As aulas pararam mais cedo e não tinha lição de casa. Professora disse ser férias adiantadas. Rabiscava as folhas amassadas com os toquinhos de lápis de cor, batendo no fundo da caixa pra ver se caía mais um pedaço quebrado. Riscou um céu azul, sol amarelo, chão de mato verde e grama alta, colocou um bicho medonho, enorme, vermelho, de olhos roxos, dentes afiados, e uns predinhos pequenininhos em cinza no canto. OLHA, MÃE, O VÍRUS. Ouviu um HUM abafado. Retrucou que SE O VÍRUS FOSSE ASSIM A GENTE IA PODER DESVIAR MELHOR.

Decidiu tentar vender mais balinhas coloridas só depois, quem sabe daqui dois ou três dias isso tudo acabava e teria mais gente na rua, no trem. Cuidava de brincar com os mais novos enquanto a mãe se aventurava a comprar mais arroz, feijão, uma mistura ou um quilo de farinha. Lembrou que mãe também não tinha álcool gel. Sentiu os pés ressecados pelo barro, foi pro banho antes que a água parasse. Juntos, os três meninos se enfiaram debaixo do cano, pra depois correrem pra ver quem fazia mais gol com a bola surrada no quintal.

Aline Macedo é designer e artista gráfica de profissão e comunicóloga por formação, é produtora editorial independente.

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