Meu Nome Não é Mãe é um livro-reportagem composto por seis perfis de mulheres que narram os amores e dissabores da maternidade. São perfis jornalísticos que mesclam a linguagem informativa e a literária para traçar a realidade vivida por cada personagem.
O leitor irá conhecer mulheres residentes em diferentes cantos de São Paulo, da zona leste à zona sul da capital. Algumas delas têm raízes no Nordeste do país, o que contribui para mostrar que a experiência de se encontrar (ou não) enquanto mãe é intensa e diversa para todas as mulheres, independentemente da sua origem.
Os seis capítulos, um para cada perfil, trazem ilustrações que remetem às duas fases vividas pelas mulheres aqui retratadas: o antes e o depois de ser mãe. A primeira ilustração, na abertura do capítulo, faz uma referência à individualidade da mulher, enquanto a arte de encerramento explora a capacidade de essa mesma mulher se expandir e compartilhar a vida com um ser humano gerado/criado por ela.
A ideia do livro é questionar o ditado popular de que “ser mãe é padecer no paraíso”, explorando justamente o quão ácida e solitária pode ser a experiência de ser mãe.
Entre contextos sociais e personalidades distintas, essas mães têm em comum o desafio diário de provar ao mundo que, por trás de todas as camadas da maternidade, há mulheres passíveis de erros e vontades como qualquer outra. O nome delas não é mãe.
DESTAQUES
O melhor sinal de que ele estava vivo era o choro. Incessável. Certeiro. Cortante. Benjamim chorava o tempo todo. Ao ser levado pra casa, ele deixou o único ambiente que conhecia: a incubadora. O oxigênio era artificial, a temperatura climatizada, a assistência das enfermeiras era constante, de três em três horas. O choro era a resposta a uma mudança de rotina radical.
Bia entendia, mas não suportava. Estava há dias sem dormir e nada interrompia as crises de choro do filho. Semanas após ter voltado pra casa, surtou. “Ou eu jogo esse moleque pela janela, ou eu vou sufocar ele com o travesseiro, ou eu vou morrer”. Saiu de casa e sentou na calçada. Chorou até soluçar. Só parou quando foi encontrada pela mãe, horas depois.
Capítulo 1, página 32.
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A sala gélida do hospital compunha a atmosfera que, ao invés de parecer acolhedora, inspirava medo e desconfiança. Fazia 11 horas desde que a bolsa de Iara tinha estourado. Na maternidade do Hospital Geral de São Mateus, na zona leste de São Paulo, a jovem de 18 anos reunia toda a força que tinha para empurrar a filha. Era o seu primeiro parto, mas sabia que ter uma médica em cima de sua barriga forçando-a com os braços para induzir o bebê a sair não devia ser algo comum. Chegou ao limite, não tinha mais força. Os médicos cortaram sua vagina para tirar a menina de dentro dela. Não ouviu choro. Ainda desnorteada pela dor do parto, notou os médicos correndo para animar a filha que, como ela saberia dali a algumas horas, teve uma parada cardíaca e nasceu morta. A ação rápida trouxe a pequena Ana Beatriz de volta, mas com sequelas: foi diagnosticada com paralisia cerebral coreatetoide. Era o início de uma nova vida para Iara, cuja vida foi marcada por violências desde o princípio.
Capítulo 2, página 54-55
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Dona Maria sabia que o marido batia na filha, mas nunca interviu. Ela também apanhava. O hospital era um refúgio. Apesar de toda a atmosfera lúgubre, o verdadeiro interno estava em casa. As únicas mulheres da casa sofreram a opressão física e psicológica por anos. Jéssica não podia recorrer aos irmãos e nem à mãe, que era tão vítima quanto ela. A garota foi a primeira a tentar interromper o ciclo de violência quando decidiu fugir de casa, ainda criança.
Capítulo 4, página 130-131
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Algumas vezes, porém, nem mesmo o cuidado redobrado é capaz de prever certos problemas. Aos 9 meses, Leonardo voltou para o hospital com uma parada cardíaca e choque anafilático por ter segurado uma paçoca. A mão que ele usou para manuseá-la queimou na mesma hora. Foi assim que descobriram a alergia ao amendoim. O pequeno ficou 40 dias em coma induzido, para preservar os sinais vitais. Ao final desse período, a cabeça dele estava inchada devido ao efeito da medicação. Os médicos chegaram e chamaram a família para conversar, alegando que o bebê poderia ter sequelas ao acordar.
“Fizeram aquele último exame pra ver se tinha dado morte cerebral, então tava toda a família já esperando a má notícia. Eu na verdade não tava esperando mais nada. Eu não chorei, eu não tinha mais lágrimas, eu não tinha mais nada. Eu tava assim ‘Deus, o senhor sabe que eu tenho a vida corrida, como eu seu. Se for pro meu filho ficar numa cadeira de rodas, ficar eu sofrendo e ele sofrendo, o senhor leva. Eu quero o meu filho perfeito’. Eu fui muito assim, é até um pouco egoísta”.
Capítulo 5, página 170-171
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Desde que interrompeu o tratamento para engravidar, Patrícia fazia terapia. A psicóloga acompanhou todo o processo de adoção e logo percebeu que havia algo errado quando as crianças chegaram em casa. A guarda provisória saiu em janeiro e em abril os sintomas já estavam lá: falta de sono e de fome, crises de choro, pânico. O que deveria ser um momento de realização se tornou o pior período já vivido por ela. Sugeriu que ela fosse ao psiquiatra. Ao explicar o que estava sentindo, Patrícia resumiu toda a angústia em poucas sentenças.
“Eu acabei de ser mãe e me sinto sozinha, com muita responsabilidade. É o médico, é a escola, é a babá, é a empregada, é a comida. É tudo pra eu decidir. Eu não consigo cuidar de mim, eu não consigo relaxar nunca, eu tô sempre muito tensa com medo de que alguma coisa vá dar errado e eu não tenho a ajuda de ninguém que não seja estranho”.
Capítulo 6, página 215
Mábily Souza cresceu em Osasco, município da Região Metropolitana de São Paulo. É formada em Jornalismo pela Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação (FAPCOM). Inspira-se em grandes nomes do jornalismo literário, como Xinran, Eliane Brum, Gay Talese, Truman Capote e Caco Barcellos. Trabalhou no SESI-SP, Record TV e TV Globo. Meu nome não é mãe é o seu primeiro livro.
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