O futebol é uma coisa. É difícil escrever sobre futebol, pensar o futebol, viver o futebol, tem quem não goste, eu mesmo não sei se gosto tanto [gosto]. Gosto das possíveis leituras do jogo, fora toda a parte competitiva (que paradoxalmente é importante) do que ele pode dizer e nos mostrar sobre tanta coisa. Gosto das metáforas do futebol, gosto das crônicas sobre futebol, gosto dos bares que passam futebol, gosto de jogar bola, de ouvir jogo no rádio e de assistir um jogo enquanto penso em outras coisas.
Futebol não pode ser lido só como um esporte, durante alguns textos aqui defendi que ele nem poderia se enquadrar como esporte, é limitante pro futebol, ele fica completo fora do ambiente esportivo, fora de qualquer comentário ou crítica sobre tática ou dinheiro, cartolagem ou palhaçada, futebol é coisa séria. E quem faz o futebol são as pessoas, todas envolvidas, desde os trabalhadores, jogadores, jogadoras, torcida e etc.
O assunto que fica sério. O papo descontraído, tudo é futebol.
O fascinante são as possiblidades que o jogo apresenta, seja ele um jogo de amigos ou um futebol desses mais comerciais, um jogo na várzea ou um joguinho de algum campeonato russo, a mágica está ali, o bem e o mal, o contraditório, o afeto, o risco, a alegria, a fatalidade, a superação e a decepção.
O gol é mesmo só um detalhe. Ninguém leva em consideração um resultado pra torcer por um time, torce pelo time do pai, ou time de um tio, ou time da mãe, ou não. Vende-se camisa de times de terceira divisão ou com causas sociais, que esportivamente não têm grandes efeitos, torcemos pelo mais fraco, trocemos contra o mais forte, isso muda o humor, apimenta relações, mesmo que você não tenha percebido.
O café da manhã é diferente depois de um jogo. Os dias são dias de futebol, quarta e domingo, alguma terça, quinta ou sábado. Dia de ir pro bar, ou dia de passar roupa, ou dia de lavar o banheiro, dia de praia, dia de comer fora, dia de comemorar.
O afeto no futebol está presente o tempo todo.
No futebol tudo se mistura, e ainda vão dizer que não tem nenhuma importância. É importante, pra muitos é só o que importa, são apelidados, tem seus nomes, dão nome pro filho, nome pro carro, compram uma chuteira, tem esperanças.
É político. É uma organização social, todos juntos, remando na hora de um grito ou se manifestando na padaria, na rede social, no elevador do prédio.
O futebol é do povo, genuíno, e sobrevive disso, de diversas classes sociais. Mesmo tentando elitizar o futebol, as pessoas continuam indo, se organizam, se articulam. E que fique claro, quando digo minoria é a elite, é essa gente que a gente nunca viu, uns milionários donos de bancos e mafiosos, herdeiros de um imperialismo que parece não ter fim por aqui.
Os problemas do futebol são os mesmos problemas.
Enquanto o comando estiver na mão de meia dúzia de caras muito ricos e milionários esse poder ficará com eles, esses irresponsáveis que trabalham incansavelmente pra destruir o futebol. Só pensam no dinheiro.
Não sabem nada de futebol, de paixão, de pessoas, são números que pensam em números, defuntos, atrasados e canalhas, é preciso dar nome aos bois, não largam o osso, o que já diz sobre o projeto que eles têm, não por acaso alguns cartolas circulam pela política, e até por ministérios, são os mesmos, os coronéis, donos das terras, donos dos campos, uma gente que não produz nada, não sabe levantar um saco de café, chutar uma bola, cantar com a massa no coro, nem ao menos são responsáveis por seus atos.
O campo de batalha está lá, aqui, em todo lugar. É preciso sonhar, tomar o futebol, falar sobre ele, viver ele, essa coisa tão viva, reaprender sore futebol, ele caminha junto com todo o resto. O gol é só um detalhe.
texto 1- em defesa do futebol feio
texto 3- A descoberta do futebol: Minha primeira vez no estádio
texto 5 – não gosto de esportes
texto 6 – Futebol como arte de antiarte
texto 7 – A vitória dos esfarrapados contra os times mais fortes é o que nos alegra
texto 8 – o talento desperdiçado de maneira desastrosa
texto 9- Messi não sabe jogar futebol
texto 10 – o afeto no futebol e no todo
Marcelo da Silva Antunes nasceu em São Paulo, no dia 13 de junho de 1992, dia de Santo Antônio e de Exu. É Autor de VIVAVACA (2017), SP: Sem Patuá (2018), Outros Cortes (2019), Manifesto da hora que o couro come (2020) e do livreto Velho, Velho Testamento (2019). Editor do selo literário Borboleta Azul, agitador cultural e oficineiro de escrita criativa.
É poeta nas horas cheias.
1 Comment
Texto maravilhoso, melhor descrição do futebol.