Manifesto da hora que o couro come é um livro que foi pensado a partir dessa pergunta/chave de leitura, qual hora que o couro come? Pensado com essa dubiedade da palavra, de que o couro comendo pode significar uma festa ou ter outras interpretações de acordo com o contexto, é também um dito popular, uma expressão popular que tá na boca das pessoas, assim como o couro que come no cotidiano.
O livro é dividido em 3 partes, separado por horas que o couro come. 18 horas, 12 horas e 04 horas. Cada parte tem sua leitura particular e conjunta com o resto do livro.
Esse é meu 4 livro, ele encerra uma fase, um tipo de linguagem e pesquisa trilhada desde o SP: Sem Patuá (meu segundo livro), aparece também no Outros Cortes (terceiro livro) e agora trabalhada na forma de poemas.
Na pesquisa do livro ouvi muito samba e li poetas de língua africana, como José Craveirinha e Noémia de Sousa. Li também Oswald de Andrade pra pegar o tom do manifesto, além de outros manifestos famosos, como do Manguebeat, surrealista, do partido comunista entre outros.
Textos
Minha manifestação
é de mão em mão
num rito sem mito
Na hora que o couro come
o couro come depois das seis
afina no busão sem ar condicionado
o couro come às doze
com marmitas boiando no refeitório
o couro sangra até a hora da ave maria
escorrendo o tempo do chouriço
o tempo corre contra o couro
apodrece e deixa mau cheiro
o sapateiro domina a bola
o açougueiro o corte cego
o rio de sangue jorra pra dentro
o rio sujo não limpa o suor
bois e vacas dormem
enquanto o couro come
o couro dos contentes afiado
serrando na pele do porco
o couro sangra de segunda a segunda
com gritos da torcida organizada
o couro seca no sol estralado
sem nunca ter um terço da colheita
os locais de abater são limpos e arejados
exigências da fiscalização
o couro rende renda pra senhores e senhoras
são alimentados até o último tiro
a faca
corta papel
corta carne
corta mãos
corta filhos
na hora que o couro come
é festa
é política
é carne
é manifesto
o couro come com ou sem consentimento
nas beiradas
nos pampas
na Rússia
no Chile
na América do Sul em chamas
Ancestralidade
atrás de minhas lentes
estão os olhos de minha mãe
me reparando bem
enxergo que
encharco o mundo
com os olhos de minha mãe
poema na hora que o couro come
processo da elaboração da capa
Marcelo da Silva Antunes nasceu em São Paulo, no dia 13 de junho de 1992, dia de Santo Antônio e de Exu. É Autor de VIVAVACA (2017), SP: Sem Patuá (2018), Outros Cortes (2019), Manifesto da hora que o couro come (2020) e do livreto Velho, Velho Testamento (2019). Editor do selo literário Borboleta Azul, agitador cultural e oficineiro de escrita criativa.
É poeta nas horas cheias.