Foto de Sônia Bischain, na feira Felizs, 2019.
Foi num sonho, esqueci, depois lembrei ou inventei, vai saber. Foi lá que vi borboletas voando. Voando pela cidade, entre prédios e fumaça, carros velhos, SUVs e balas de borracha.
Começo esse texto pensando e me perguntando o porquê de acreditar nos livros.
Numa editora? “Editora”?
Esse nome nunca nos coube, ninguém cria ou é criado por uma borboleta numa cachoeira.
Avessos a reuniões, isolados desde o princípio, numa ilha com vizinhança de ilhas de sempre.
A gente fabrica garrafa e bota carta dentro, joga no mar, pesca, troca. Cansamos de ler garrafas vazias.
Agarrados a essa esperança, de jogar palavras no vento, no mar ou na cachoeira que as borboletas brotam.
Nosso modo de operar é mais parecido com um bloco de carnaval informal, uma gravadora de rap de um artista só ou uma noite de fogueira e pinhão no mês de junho.
E, é um sonho.
Sem essa de que o sonho acabou.
Sem muito palco ou vontade de palanque forçado, não frequentamos reuniões de condomínio. Não estamos sozinhos, temos lado. Conhecemos várias borboletas-humanas, gente de palavra e da palavra.
Resistente pra tapa nas costas e risadinhas. Nossa estrada é de barro, subida.
Trabalho sério, honesto, com convicções e disciplina, não é porque é um sonho que é bagunçado, não é?
Quanto vale um sonho?
Pra um rapaz latino-americano dum país terrorista, onde é preciso se proteger do Brazil, que te sabota e te escanteia sem nem disfarçar. Pátria formadora de fracassos e frustrações.
Estudante do piorzinho que teve.
Ouvindo dos bedéis que não seria nada.
Sem direito de sonhar o sonho que se sonha só ou que se sonha junto.
Discurso parecido com quem vende sonhos enjaulados.
Criei diálogo pra quem não tinha diálogo, eu mesmo e meus amigos e camaradinhas, fiz o que muitos outros fizeram e fazem e farão, sem essa de tempo e de idade, isso é bobagem pra quem sonha junto.
Orgulhoso no sentido de resgatar uma estima que nem sabia onde tava.
Pra uma mulher de um país machista, onde é preciso se proteger do feminicídio e das piadinhas, que te faz ser duas, três, até dez vezes melhor para merecer o falso tapa nas costas. Sem pós formação que lhe seja permitida.
Autodidata até umas horas. Fazendo na raça e coragem, sem premiações.
Ouvindo todo dia pra ir procurar outra coisa que dê dinheiro.
Boto a mão na massa pra fazer crescer. Imagem bonita, ideia no lugar. Pra poder compartilhar o pão.
Quanto vale?
Vale o risco,
O chá de cadeira
A exclusão
Margninalização
Vale pelas cachoeiras
Pelas escolas e bibliotecas ocupadas
Pelos palcos tomados
Uma invenção de um espaço público
É tudo um sonho
Com borboletas azuis desfilando no apocalipse.
Equipe editorial Borboleta Azul.
Aline Macedo e Marcelo da Silva Antunes.
Junho.2020
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