Ao se deparar com qualquer jogo aleatório (o que não é do seu time do coração ou de alguma nova paixão), a primeira reação é torcer pelo mais fraco, pode ser uma torcida discreta, sem grande entusiasmo, sem nem comemorar o gol do pequeno, mas com grande revolta se o erro a favor do grande ocorrer, indignação e blasfêmia para quem quiser ouvir que aquele time poderoso só ganha pois tem dinheiro, e ainda assim precisa de ajuda da arbitragem.
Esse encanto é facilmente identificado em qualquer roda de amigos, na copa do mundo isso se aplica para países simpáticos, asiáticos, africanos, pequenas vilas europeias, sempre contra os poderosos e milionários.
É de uma satisfação ver esses ricos tomarem uma surra, o futebol pífio dos americanos é uma delícia, o futebol alemão ou francês eliminado na primeira fase é uma delícia. Uma surra bem dada ou uma vitória com requintes de crueldade de um time pequeno faz parte das pequenas alegrias da vida.
É um pouco da sensação de vingança, de não se render ao poder, do improvável do imponderável, do esforço e da paixão contra o pragmatismo e o dinheiro.
É como arrumar um emprego bom, saldar uma dívida no banco, terminar de pagar aquela prestação, acertar os números no jogo do bicho, pegar uma promoção de tomate e azeite, achar aqueles LPS raros num sebo espírita por 2 reais.
Poucos outros objetos nos causam tamanha fascinação. Algumas peças de teatro, alguns livros, filmes, de cabeça posso lembrar de Bacurau, Que horas ela volta?, Auto da Compadecida, entre outros de assalto a banco ou golpe nos mais abastados. Lembro de Davi vencendo Golias, até na bíblia tem esse time pequeno e improvável vencendo.
Metáfora, grande metáfora, aquela figura de linguagem que compara e espelha situações. É um sopro de esperança ver esses momentos realizados como num sonho. É a vitória do mais prejudicado, o grito de liberdade, o grito de HOJE NÃO. Hoje vocês poderosos não vão nos vencer, não irão nos amassar hoje. Não vão.
Cada vez mais raro esses resultados nesse futebol negócio, business, times de Sheiks e de megaempresário, lavadores de dinheiro e políticos. Ainda assim acontecem, eles não podem controlar essas variáveis que o jogo proporciona.
O abismo social presente no Brasil é cada vez mais refletido no futebol.
Ainda que no Brasil tenhamos um grande time, sempre seremos o patinho feio contra os europeus.
A vitória do pequeno é saborosa, vejam a grande obsessão em vencer o mundo, o Brasil batendo Alemanha em 2002, igual Pelé e companhia batendo a Suécia, a Itália, ou Romário e companhia levando uma copa nos EUA.
Quando é Marta destruindo todas as seleções europeias é o ápice, o futebol feminino, patinho feio até dentro do futebol brasileiro, vai lá e levanta todos os canecos possíveis.
Davi é o Mineiro do São Paulo fazendo um gol no time de Liverpool e ver a cara do Golias Peter Crouch o jogador mais alto do mundo. É Edilson dando uma caneta no grande Carimbeu, Adriano Gabiru fazendo gol no imponente time do Barcelona, é o Santo André e o Paulista de Jundiaí sendo campeões no maracanã e jogando uma Libertadores da América e um Ituano campeão paulista. São coisas do futebol.
Para nossa sorte isso ainda irá existir, embora reme-se contra isso, busque criar essas empresas milionárias e matar todo resto. O futebol no Brasil ainda irá respirar. E continuará a nos dar essas pequenas alegrias.
texto 1- em defesa do futebol feio
texto 3- A descoberta do futebol: Minha primeira vez no estádio
texto 5 – não gosto de esportes
texto 6 – Futebol como arte de antiarte
Marcelo da Silva Antunes nasceu em São Paulo, no dia 13 de junho de 1992, dia de Santo Antônio e de Exu. É Autor de VIVAVACA (2017), SP: Sem Patuá (2018), Outros Cortes (2019), Manifesto da hora que o couro come (2020) e do livreto Velho, Velho Testamento (2019). Editor do selo literário Borboleta Azul, agitador cultural e oficineiro de escrita criativa.
É poeta nas horas cheias.
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[…] texto 7 – A vitória dos esfarrapados contra os times mais fortes é o que nos alegra […]